PEDRO PEBA- O COVEIRO
Padre Joel, saindo enojado daquela conversa com o prefeito, entrou na pensão da Dona Edileuza, tomou um café com tapioca, depois saiu até a capela para fazer aa suas orações. Logo após, seguiu até o cemitério para rever seu amigo, o coveiro Pedro Pebra, oitenta anos, preto, baixo, cabelos brancos, viúvo, coveiro há cinquenta anos, por perseguição política, jamais conseguiu outro emprego. Apesar dp curso secundário incompleto é considerado um sábio, pois entende de economia, geologia, filosofia, política e religião. Sabe tudo da vida e da morte; afinal de contas é coveiro. Tem algo em comum com o padre Joel: ambos não gostam da administração do prefeito Xico Bode.
Padre Joel:
-Bom dia Pedro, acabei de ter uma conversa com o prefeito sobre as mortes das crianças que vêm ocorrendo no município.
Pedro Peba:
-Perda de tempo, mais outra conversa jogada fora, padre Joel, infelizmente.
Padre Joel:
-Fazer o quê, meu amigo Pedro? Fazer o quê? Pelo menos ele está ciente de que alguém por aqui sabe dos ocorridos.
Pedro Peba:
-E eu continuo aqui enterrando crianças no atacado. É lamentável padre.
Padre Joel:
-Como homem sábio e vivido que é, Pedro, gostaria muito de ouvir sua opinião sobre a seca, possiveis soluções, proveitos políticos etc...
Pedro Pebra:
-Eu não gostaria de opinar pelos seguintes motivos:- para não ser hipócrita; para não chocar meus conterrâneos e parceiros de flagelos; porque o sistema podre jamais mudará; - tem muito dinheiro envolvido na maldita indústria da seca.
Padre Joel:
-Por favor, amigo Pedro, sua opinião é de suma importância. Gostaria muito de sair um pouco otimista de Muçambê.
Pedro Peba:
- Pois bem, mais uma vez repito. Não quero ser hipócrita como a maioria dos opinadores e exploradores das secas que, buscando soluções teóricas, se sustentam do nosso flagelo. E como existem escritores, políticos, jornalistas, empresários, cientistas, tirando proveitos e sobrevivendo das secas!! ou seja, da desgraça alheia. Pelos meus cálculos e informações armazenadas, somente no Ceará, sofremos secas nos seguintes anos: 1605- 1606- 1614- 1692- 1721- 1725- 1736- 1737- 1745- 1746- 1754- 1777- 1778- 1790- 1793- 1804- 1809- 1816- 1817- 1824- 1825- 1830- 1844- 1845- 1888- 1889- 1903- 1907- 1915- 1919- 1931. E as secas das décadas de 40 pra cá não me interessei mais em registrar, porque o descaso da administração pública, vem de tempos. Todos sabem que o fenômeno da seca é periódico, localizado e interminável, ou seja, as secas existem aqui no Nordeste bem antes de Cristo e continuarão existindo nos anos 2.999- 3999- 4.999- 5.999 e assim por diante.
Padre Joel:- Quer dizer, as secas sempre irão existir
Pedro Peba:
-Isso mesmo, padre. A seca não é um problema passageiro. É Um fenômeno interminável da natureza e, se realmente houvesse interesse em adaptar o homem ao fenômeno, o problema já se teria resolvido.
Padre Joel:
-Moldar o homem ao ambiente seco, estéril? para que ele sobreviva com dignidade no periodo da estiagem.
Pedro Pebra:
Não somente moldar, como ensiná-lo a mudar o ambiente. A seca continua castigando o nordestino porque interessa aos neocoronéis do sertão, que se alimentam da miséria, do sofrimento e ignorância de um povo que não pode e nem tem como se desenvolver, porque os latifundários mamadores usam 90% da água para irrigar suas megaplantações em qualquer periodo da estação do ano.
Padre Joel:- Faz sentido, amigo Pedro.
Pedro Peba:
- É óbvio que faz, padre. Veja o exemplo de ISRAEL. Com cinquenta anos de existência desenvolveu o setor agrícola por meio de irrigação no deserto de NEGUEV.
Padre Joel:
- E no nordeste há água abundante em açudes, barragens e no subsolo. Sem esquecermos o oceano atlântico.
Pedro Peba:
-Hoje mais de 100 nações, principalmente no Oriente Médio e no norte da África, possuem usinas que ritaram da água salgada o cloreto de sódio, deixando o liquido pronto para consumo humano.
Padre Joel:
-Ouvi comentários sobre uma usina dessa instalada desde 1928 na Ilha de Curação, no Caribe.
Pedro Peba:
-O que falta no nordeste não é água; o que falta mesmo, é vergonha na cara de alguns políticos safados que se portam como verdadeiros exploradores da seca, monopolizando o ambiente hostil e manipulando pessoas como massa de manobra. O Sertanejo não é antes de tudo um forte. Quem filosofou dessa maneira equivocou-se. Eu afirmo que o sertanejo explorado é antes de tudo um otário. A força dele está no voto e não sabe usar essa força, prefere se vitimar, pois é o eleitor babaca que vota por uma dentadura, que perpetua o gigolô da seca no poder.
Padre Joel:
-Pedro, dessa maneira você ofende o conterrâneo flagelado?
Pedro Pebra:
-Ofendo coisa nenhuma, padre. Lembre-se que eu também sou um deles, preconceituado pela cor e idade; e ainda mais, sou um perseguido político. O que ofende o nordestino trabalhador, honesto, é a maldita esmola e ignorância. Quando desabafo que o sertanejo é explorado é antes de tudo um otário, ´É porque as eleições estão aí e o eleitor tem obrigação de colocar a pessoa certa no lugar certo. Há muito, o sertanejo vem votando e os eleitos são sempre os mesmos, mesma geração de eleitos. Alguma coisa está errada.
Padre Joel:
-O amigo Pedro está afirmando que o sertanejo não sabe votar?
Pedro Pebra:
-Não só o sertanejo, o brasileiro em geral. Não sabe ou não quer votar certo para mudar. Errar uma, duas, três vezes, tudo bem, pode ser até humano. Agora, continuar errando a vida toda, de pai para filho, deve ser masoquismo coletivo. O candidato aqui no nordeste poderia até comer democraticamente quando em campanha, buchada de bode, tripa de porco, preá assado, rapadura, usar chapéu de couro, tomar cachaça, montar em jegue, beijar meninos cagados, tirar retrato junto á estatua do Padre Cícero, mas na hora no voto, depois de cuidadosamente anasilado seu passado político, deverá levar um pé na bunda, uma banana democrática, em vez do voto.
Padre Joel:
-Sem sombra de dúvida, agindo assim, a situação não só do sertanejo, mas do brasieiro em geral, iria mudar para mehor.
Pedro Peba:
-Os mesmos candidatos, eternos eleitos, sabem que as cacimbas, cata-ventos, reservátorios, armazenamentos corretos das colheitas, armazenamento, tratamento e distribuição d'água (mesmo salobra), seria o fim do voto de cabresto e alforria do sertanejo.
Padre Joel:
-E o sertanejo, ignorante ou não, deveria deduzir o que é melhor pra ele, bastaria um pouco de bom senso.
Pedro Peba:
É verdade, padre Joel, mas entre o sertanejo ignorante, que não se liberta, e o sertanejo escravizado, que não pode se libertar, como no meu caso, - existe a pior praga se sertanejo: o ignorante metido a esperto, pregiçoso, oportunista, parasita, desagregador, considerado a vergonha nordestina; aquele que vota pensando em resolver somente o seu problema pessoal, o sertanejo burro, tapado, que não quer estudar e vota pelo par de chinelos ou pra se empregar no município, através de concursos fraudulentos.
Padre Joel:
-Como religioso que sou, considero todos vítimas de um desgraçado sistema predominante.
Pedro Peba:
-Enxergo de maneira diferente, porque já enterrei muito cabra safado que rezava para haver seca em ano eleitoral, para receber esmolas vindas do Sul do País. O Sr sabe, padre, que a seca em epóca de eleição é mais divulgada e assistida...Nunca vi tantos benevolentes como numa seca de ano eleitoral!!
Padre Joel:
-É uma esmola que humilha. É muito triste ver um irmão nordestino recebendo um prato de comida, na carroceria de um caminhão, num sol escaldante, ao vivo, no jornal nacional.
Pedro Peba:
-O que me deixa mais intrigado é o magote de caridosos movidosa TV. O cara lá em São Paulo vê na TV um repórter pedindo um quilo de alimento não perecível. Ele envia dois kilos e ainda fica emocionado, com um ar de missão cumprida, enquanto na marquise do prédio em que reside, você encontra seis, oito, dez moradores de rua embrulhados em jornais, após jantarem restos de comidas apanhadas nas leixeiras do condominio. No dia seguinte esse mesmo morador benevolente na TV participa de abaixo-assinado na portaria do seu edifício para tanger os mendigos sem teto da marquise de seu prédio, porque, além de sujarem o ambiente, desvalorizam o imóvel do disntinto. No fundo ele pode até ter certa razão, mas não deveria usar da hipocrisia.
Padre Joel:
-E a TV Globo envia seu repórter direto do Rio, com todas as despesas pagas, somente para registrar um sertanejo comendo teiú e noticiar que o flagelado, coitadinho, está comendo calango.
Pedro Peba:
-Enquanto isso, não noticiam os ratos comendo crianças nos predios invadidos e nas favelas que preliferam nas periferias das grandes cidades. Favela só é noticia quando está pegando fogo ou deabando com água; e seca só é noticia em época de eleição.
Padre Joel:
Pois é, Pedro; vamos nos voltar para os problemas de Muçambê. Rio de São Paulo têm problema de morador de rua alí, favela extreminada pelo fogo aqui, boca de fumo acolá, assaltos, poluição, etc. Problemas de cidades grandes que jamais serão resilvidos. Agora, aqui em Muçambê, a coisa parece castigo. O que há de projetos engavetados em Brasilia para a criação de açudes públicos de médio porte, perfuração e tubulação de poços artesianos, realização de obras para a perenização de rios, cosntrução de barragens, não dá para acreditar!!
Pedro Peba:
-Mudando de assunto, padre Joel, por onde anda o sacristão rovildo?
Padre Joel:
-Rovildo foi ameaçado de morte porque seu cachorro Rompe Ferro, latiu para a sobrinha do prefeito.
Pedro Peba:
-Somente por isso? Coitado do Rovildo!!
Padre Joel:
-Por ser meu ajudante paga um preço alto, o prefeito não perdoa. Pedi para passar uma temporada na capital. O guarda Ambrósio não me transmite confiança. Fazer o quê? Aliás, em Muçambê a segurança é uma fantasia. Não existe delegado. A prefeitura continua atrasando dois ou três meses o pagamento do salário irrisório do guarda Ambrósio, para exercer as funções de fiscal, pastoreador.
Pedro Peba:
A sua bênção padre Joel. Cuidado com as ameaças anônimas. A vida de uma padre por aqui vale um real para os coronéis, o senhor sabe disso.
Padre Joel:
Não esqueça, Pedro. Rovildo sempre sonha que Muçambê vai virar mar. Rovildo só sonha, mas eu, devoto que sou de São José, estou acreditando num excelente inverno este ano. Só tenho medo das ameaças do El niño. Não tenho medo dos coronéis.
Livro: A Vaquinha da Primeira Dama
Editora CEPE (1998)
Págs 39 a 47