A B U R G U E S I A
Xico Bode, Chico Biil e Tico Coador estavam contando o dinheiro apurado da renda do jogo, quando entrou Dona Gertrudes, como uma idéia maravilhosa, uma espécie de intuição, premunição, sei lá o quê. A idéia seria comprar uma vaca, mesmo sendo alérgica ao cheiro do quadrúpede.
Perplexo com a idéia mirabolante, intuição milagrosa, Xico Bode voltou-se para Dona Gertrudes e pediu miores explicações:
Xico Bode:
-Doce Gertrudes, minha flor de Muçambê, como uma vaca poderá segurar-me na prefeitura?
Primeira Dama:
Muito prático, meu bodinho cheiroso! Sairei com a vaca de porta em porta, afirmando que, na realidade, ela é amostra de uma vacagem que estará chegando à cidade como nossa nova criação de bovinos. Não mais criaremos caprinos ou suinos, apenas bovinos. Caso você seja reeleito, deixaremos em cada casa, a titulo de gratidão pelo voto confiado, uma de nossas vacas para o fornecimento de leite a toda a familia.
Xico Bode:
-Minha doce Gertrudes! Por que não doar logo esta vaca em vez de emprestá-la.
Primeira Dama:
-Xiqunho, meu burrinho cheiroso, presta bem atenção. O povo adora paternalismo de migalhas. Se a coisa funcionar, requisataremos as vacas da Sudene. Cada vaca emprestada é uma nova dependência que criaremos e uma antiga que iremos manter. O voto do ignorante metido a esperto continuará no cabresto, ou melhor, no cabresto da vaca. Se ele não votar em nós, não terá leite coisa alguma, que vá mamar nas tetas da mãe dele.
Xico Bode:
Gertrudes, meu amorzinho! Como devolveremos tantas vacas à SUDENE futuramente?
Primera Dama:
Xiquinho, meu bodinho tapadinho! Presta atenção, homem de Deus!! Vamos convencer a SUDENE que o esterco da vaca é uma grande fonte de enegia, combustível ou coisa parecida.
Xico Bode:
-Estou começando a entender, minha doce Gertrudes, minha flor de MUçambê.
Primeira Dama:
-Pois bem, Depois poderemos remanejar os cavadores de buracos inúteis para classificarem e armazenarem estercos de vacas.
Xico Bode:
-Bastante maquiavélico! Amei! "Povo na merda para a merda!" Só não entendi uma coisa, minha adorável trapalhona: que diabos iremos fazer com tanta bosta de vacas?
Primeira Dama:
-Já não existe a tal de Petrobrás, meu bodinho?
Xico Bode:
-Evidente que existe, minha primeira dama!!
Primeira Dama:
-Então criaremos, aqui em Muçambê , nossa BOSTOBRÁS.
Xico Bode:
-E a massa humana, curvada sobre o esterco, sai da seca para entrar na merda.
Primeira Dama:
Pois é, meu bodinho!! Nosso povo não poderá jamais aprender a pescar. Tem de ser mantido na ignorância, na dependência perpetua. O sertanejo é, antes de tudo, um bobo.
Xico Bode:
-Pedro II, o pedreco na intimidade, depois de 49 anos de reinado deixou o pais com 90% de analfabetos. Não serei eu o primeiro a erradicar a ignorância do povo de Muçambê. Abaixo a escola!!
Numa tarde lamacenta de outubro, Muçambê parou sob a batuta do maestro Socó, com a sua banda afinada concentrada no coreto, comemorando a chegada da tão esperada vaca "Burguesia". Não era uma vaca qualquer!! Burguesia era de linhagem pura, setecentos kilos, novecentas lactações anuais, duas aparições no Globo Rural e uma no Jô Soares onze e meia. Era uma encantadora vaca holandesa, importada de Uberaba, vaca para touro nenhum perder o tesão!!
Finalmente chegara o grande dia!! Palanque armado, comício, comida a granel na casa do Xico Bode: arroz doze, cuscuz, pamonha, macaxeira, jerimum, jabá, sarapatel, carne de sol, tudo de graça, boca livre, regado a conhaque de alcatrão São João da Barra, vinho Sangue de Boi e uma cachaça por nome de Quenga Aloprada, e, para a meninada, quebra-queixo, bolo de puba e cajuina São Geraldo. O FENEMÊ do Genésio e a FUBICA de Zé Bufinha, para cima e pra baixo, transportando os eleitores do Xico Bode para apreciarem a tal afamada vaca Burguesia.
Livro: A Vaquinha da Primeira Dama
Editora CEPE (1998)
Págs 56 a 59