Benedito Morais de Carvalho(Benê)
NÃO SOU POETA, SOU UM ARRUMADOR DE PALAVRAS.
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F L A G E L O G I A (*)
 
 
Pela primeira vez na história do Brasil, o Flagelado pede a palavra. Sujeito mulato, atarracado, zambeta, sobrancelhas encontradas, barba por fazer, cara de enfezado, sobe ao palanque  desabafa:
"Companheiros! Costumo afirmar que tenho quarenta e cinco secas nas costas e não quarenta e cinco anos de idade. Já vi secas de dar com pau a através delas conheci muitos especialistas em secas: escritores, sociólogos, jornalistas, políticos, todos  se dizendo secólogos. Foi exatamente aí que resolvi estudar por conta própria e me formar em Flagelogia palavra não encontrada no Aurélio. Talvez eu seja o único no Brasil que estudou a fundo a personalidade e o comportamento do companheiro flagelado. Cheguei á conclusão de que existem vários tipos de flagelados, por esse motivo uso esse termo desconhecido: Flagelogia e, para não ser por demais cansativo, irei enumerar somente alguns:
FLAGELADO PORRETA: É considerado o braço direito do chefe político local, é o que convoca a imprensa sensacionalista e mostra, feliz da vida, o lado caótico da situação. Geralmente o flagelado porreta tem toda familia empregada na prefeitura local. Ele mesmo permenace mais tempo em Brasilia fazendo lobby e passa a férias em Miami, procurando imóveis para investimentos de seu chefe político. Quando chove, o flagelado porreta deixa de existir e passar a ser um flagelado fantasma.
FLAGELADO BUNDÃO: não é encontrado somente no Nordeste. A praga existe em todo o Brasil, é a vergonha nacional. Estamos falando do analfabeto político, individualista, metido a esperto. Comumente vota por uma par de chinelos vagabundos, óculos de feira, rede de terceira, pneus usados de bicicletas, camisetas promocionais, para depois de usada limpar o chão. O desgraçado vota pensando somente nele, vende o voto barato, acreditando tirar vantagens pessoais. Não está nem aí para a comunidade. O mercenário barato não perde um comício. Sempre é visto espremido na turma do gargarejo,  aplaudindo por trocados, por alguns quilos de feijão furado o candidato oportunista. É o responsável direito pela eleição do politiqueiro. De modo geral, o flagelado bundão passa necessidade em qualquer estação do ano, inverno ou verão e contribui com a proliferação dos maus políticos e dos males nacionais.
FLAGELADO CARROSSEL: É o que fica girando no eixo Rio de janeiro e São Paulo sem chegar a lugar algum, acreditando que um dia a seca vai findar. Lá em Muçambê o prefeito Xico Bode o tem como uma boca a mais para comer. So é útil nas eleições, porque logo em seguida, é despachado para o Sul do país. Chegando ao Sul, é tratado como estorvo, persona non grata, desfrutando apenas de uma passagem de volta- um repatriado na própria pátria. Finda morrendo na miséria na cidade de origem, ou comendo nos lixões das cidades grandes, ou esquecido nas casas de detenção, muitas vezes cumprindo pela por um crime que jamais cometeu. Caindo na real e parodiando o ídolo Raul Seixas, afirma plenamente a si mesmo; para o político safado, a seca, o flagelo,, o Nordeste, "tudo tem exatamente a mesma importância, a mesmíssima importância, ou seja, nenhuma."
O FLAGELADO ABESTADO: é aquele que põe toda sua fé no cacique local. Mesmo fudido defende o seu explorador, o flagelado abestado, ou abestalhado como queira, é uma espécie de masoquista da seca: continua votando e acreditando nas mesmas promessas a vida toda; vegeta e morre na merda; considerado a hiena do sertão, pois, mesmo na merda ainda ri, e ainda, acredita que toda desgraça da seca é causada por negligência de São José.
FLAGELADO EMPRESÁRIO: Com a cara lambida de pidão, é o que tira o máximo proveito da seca. Essa praga também se encontra em Brasilia, pedindo esmolas, encabeçando e organizando, com os filantropos, a distribuição de alimentos. Com o dinheiro arrecadado das esmolas que nunca chegam ao destino final, o flagelado empresário investe as sobras em um fundão de um banco na Suiça e com isso mantem os seus filhos estudando nas Universidades Americanas, come caviar, anda de BMW, escova os dentes com champanha, veste e calça marcas importadas e só volta ao polígno da seca na época das eleições.
FLAGELADAÇO: é o autêntico flagelado, o que não encontra saída. Honestíssimo, indubitavelmente patriota, é analfabeto porque não teve opção e vive fundamentalmente da agricultura. Tem de dez a doze filhos, é devoto do Padre Cícero. Sabe que está sendo ludibriado pelo sistema e usurpado pelo NEOCORONEL latifundiário e, como MEEIRO, engole sapos. Não aceita esmolas, não deixa o seu torrão sob quaisquer circunstâncias e, quando é convidado, intimado a deixar a terra do NEOCORONEL, para não morrer, sai feito um nômade na própria região, buscando terras de um outro neocoronel para trabalhar de meeiro. Para quem não conhece, o neocoronel, ou novo coronel do sertão, não usa cadeira de balanço, tem em casa TV digital, computador, carrega cartões de crédito, iphone X, tem curso universitário, é poliglota, agiota, explorador e manda matar de AR-15.
O flageladaço morre de fome ou de inanição, acreditando que os currais da miséria irão acabar; morre nas garras dos abutres exploradores que corvejam sua extrema pobreza; morre com a sensação do dever cumprido: não largou a região em que nasceu, não roubou, não saqueou, não esmolou e sempre compareceu ás urnas para cumprir com o seu dever cívico. É o nordestino que morre com dignidade, morre sonhando com o dia em que um dos seus filhos aprenderá a ler e a escrever e viverá civilizados,  com sua documentação em ordem: eleitor registrado, pagando seus impostos, tendo em casa geladeira, e TV, com carteira profissional, CPF e carteira de identidade, e não morrerá como ele, de joelhos, curvado, acorrentado ao pelourinho da ignorância. É também o nordestino que prefere morrer de fome a mamar nas tetas da vaquinha doada pela primeira dama. Seria um péssimo exemplo para os seus filhos e para os nordestinos briosos que cultuam obstinadamente a dignidade.
                              F I M
Livro: A Vaquinha da Primeira Dama
Editora: CEPE (1998)
Págas 64 a 67
continua..


 
Benedito Morais de Carvalho (benê)
Enviado por Benedito Morais de Carvalho (benê) em 30/05/2018
Alterado em 30/05/2018
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