CRONICA DE CHICO ANISIO
Andando há 40 anos por este país, catando dinheiro para levar para casa, eu aprendi a acreditar. Acreditar na terra, no homem, na chuva, na bênção, na semente, no fruto, no coração, na mente, na inteligência.
Aprendi, com meu povo, que quando uma coisa está muito séria, o melhor que se faz é brincar com ela. E, naquelas terríveis tardes, sozinho num quarto de hotel, esperando a hora do show, eu comecei a desenhar o país dos meus sonhos, um país onde cada lavrador tenha um par de bois para puxar seu arado e que de tarde, ao voltar pra casa encontre um par de filhos o esperando e a noite quando for dormir tenha uma bela mulher para amar, no país dos meus sonhos todo pobre vai comer, todo hospital terá médicos e remédios, todo aluno terá colégio, todo professor ganhará um salário decente e todo policial apenas prenderá os bandidos, em vez de os ajudar a matar e a roubar; no país dos meus sonhos todo cego vai ver e todo surdo mudo vai ver e ouvir coisas tão lindas que nem será preciso dizer nada, no país dos meus sonhos a integração do homem com a natureza será tanta, que eu chego a imaginar uma árvore dizendo a um homem: "Você me tratou tão bem, foi tão legal comigo, que eu gostaria de me transformar na mesa da sua casa, nas cadeiras onde sua família sentará ou no berço do seu filho". No país dos meus sonhos o homem branco, afinal, vai descobrir
que o coração do homem negro é do tamanho do seu e o sangue da mesma cor, o país dos meus sonhos uma dia será verdade. E ele será tão feliz que nem vai precisar de mim para fazer rir um pouco, não faz mal, eu perco o emprego de humorista, mas não perco o meu sonho.
Autor: Francisco Anysio de Oliveira de Paula Filho
(Chico Anysio)